
14, Maio de 2019
Guerra Fiscal: uma breve análise sobre essa disputa
Em uma rápida busca online, é possível encontrar inúmeros artigos, desde 1996, comentando acerca da chamada guerra fiscal. Vinte e três anos depois, o assunto não poderia ter se mantido mais relevante. Entretanto, o que significa afirmar a existência de uma guerra fiscal em nosso país?
A fim de compreendermos o cerne dessa questão, devemos, primeiramente, assimilar as implicações deste conceito. Otávio Dulci, doutor em Ciência Política, definiu a guerra fiscal da seguinte maneira: “trata-se de um jogo de ações e reações travado entre governos estaduais (e adicionalmente entre governos municipais) com o intuito de atrair investimentos privados ou de retê-los em seus territórios”.
O artigo que apresenta esta definição, intitulado de Guerra Fiscal, Desenvolvimento Desigual e Relações Federativas do Brasil, a despeito de ter sido publicado em 2002, apresenta uma análise que se mantém atual e coerente. Nele, Dulci informa que, apesar de ter se intensificado na década de 1990, esse tipo de competição já fazia parte da história política brasileira desde muito antes — devido a heterogeneidade em nossa economia. Ele aponta também que as mudanças referem-se apenas às circunstâncias que suscitam essa disputa.
Pode-se entender o surgimento da guerra fiscal como um reflexo do movimento de descentralização política — apoiado, de certa forma, pela própria Constituição de 1988 — a fim de conceder mais poder e autonomia aos Estados e Municípios. Exemplo disso é a atribuição, a esses entes federativos, da responsabilidade sobre administração, definição e recolhimento das alíquotas do ICMS. Esses fatos acabaram por ‘limpar o terreno’ para o início da guerra fiscal.
A descentralização, promovida pela própria Constituição, resultou numa descontentamento da União, que se viu perdendo receita, e, por isso, passou a buscar meios de aumentar sua participação no montante tributário do país. Os estados, por sua vez, passaram a competir por oportunidades de desenvolvimento, jogando com as mais variadas cartas, para garantir uma maior arrecadação.
Porém, a situação se agrava quando, também nos anos 1990, abrimos a nossa economia para integração com o cenário global. A chegada de grandes companhias internacionais que pretendiam investir em nosso território acirrou a disputa entre os estados, que agora lutariam para atrair o interesse das indústrias estrangeiras, em busca de serem escolhidos para abrigar os melhores e mais ousados projetos.
Por questões de estratégias de mercado, alguns estados se destacavam aos olhos dos investidores estrangeiros. Então, a fim de evitar a centralização dessas empresas em apenas uma única área, os demais estados passaram a aplicar uma tática de concessão de incentivos fiscais. Numa espécie de leilão, cada governo oferecia as vantagens financeiras de que podia dispor, apenas para obter a atenção das grandes companhias para si. Redução nas alíquotas de impostos, nos custos de alocação e regularização da empresa, etc.: tudo valia para conquistar uma multinacional para a sua federação.
Se analisarmos as ocorrências recentes, perceberemos que o contexto praticamente não se alterou. Os estados permanecem ferrenhamente empenhados em sobrepujar-se uns aos outros, garantindo assim, mais visibilidade, e, consequentemente, o aumento de suas rendas.
De tal forma, criam-se e alteram-se inúmeras normas em nossa legislação, a fim de abarcar todos os novos programas de incentivos fiscais e medidas para impulsionar o desenvolvimento econômico.
Obviamente, essas iniciativas têm os seus pontos positivos. A instalação de uma empresa numa região, por exemplo, gera empregos, fornece renda às famílias e proporciona movimento à economia, fazendo toda aquela área crescer. Contudo, os efeitos problemáticos dessa guerra fiscal podem não compensar suas vantagens.
Diante dos prejuízos gerados, o contribuinte nacional acaba por ser o mais afetado. Tendo de lidar com diferenças legais entre as federações que, muitas vezes, impactam no transporte e comercialização de seus produtos, encarecendo os custos de manutenção do negócio. As empresas internacionais, em contrapartida, são as mais beneficiadas, podendo usufruir dos melhores incentivos.
Prova-se assim o quão profundas são as feridas no âmbito tributário nacional; bem como se explica o porquê do tremendo caos fiscal com que lidam os brasileiros.
É preciso pesar todos os fatores desse complexo contexto numa balança, a fim de mensurar o quanto, de fato, se perde e se ganha, diante dos efeitos dessa disputa. Apenas assim será possível estudar e desenvolver novas medidas para corrigir as principais falhas em nosso sistema tributário, provendo melhorias que valorizem, e assertivamente, incentivem o empreendedorismo — quer seja nacional, ou não — de forma equilibrada e eficiente.
